O Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de decidir que é
imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental. De que modo
essa decisão afeta os negócios do setor financeiro? É o que aqui veremos mais
adiante.
A decisão do STF, do último dia 28/04, é o desfecho do Recurso Extraordinário (RE) 654833/AC, que tratou
do dano causado por madeireiros na exploração de terras indígenas no Acre nos
anos 1980. O referido RE, que foi
apresentado ao STF pelos madeireiros, questionava a imprescritibilidade do dano
ambiental e alegava ser inconstitucional a interpretação conferida em decisão
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a dois artigos da Constituição Federal. O artigo 37,
parágrafo 5º: a lei deve prever prazos de prescrição para ilícitos que causem
prejuízos ao erário, ressalvadas as ações de ressarcimento. E o artigo 225,
parágrafo 3º: as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Em 2009, mais de vinte anos após o crime
ambiental, o STJ negou o Recurso Especial (REsp) 1120117/AC submetido pelos
madeireiros àquele tribunal. Em sua decisão o STJ argumentou que “o direito a
um meio ambiente sadio é fundamental, indisponível, comum a toda a humanidade,
não se submetendo à prescrição, pois uma geração não pode impor às seguintes o
eterno ônus de suportar a prática de comportamentos que podem destruir o
próprio habitat do ser humano”. Ainda segundo o STJ, “a consciência jurídica
indica que não existe o direito adquirido de degradar a natureza. É
imprescritível a pretensão reparatória de caráter coletivo, em matéria
ambiental. Afinal, não se pode formar direito adquirido de poluir, já que é o
meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como futuras”. Sendo assim,
“não se pode dar à reparação da natureza o regime de prescrição patrimonial do
direito privado”, acrescentou o STJ. Os madeireiros foram condenados.
Em 2018, o STF confirmou a condenação dos
madeireiros e extinguiu o processo. Na mesma ocasião, o STF fixou a tese da
imprescritibilidade da reparação do dano ao meio ambiente. Agora em abril de 2020
o STF consagrou o entendimento do STJ, fixando a tese de que não há limite de
prazo para reivindicar junto à justiça a reparação civil de dano ambiental. O
STF também conferiu caráter de repercussão geral ao analisar esse tema. Isso
significa que a tese de imprescritibilidade vale para todas as outras ações
semelhantes em trâmite no país. A decisão do STF é relevante no caso de
desastres como os do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, cuja
extensão dos impactos socioambientais e econômicos são enormes, sem precedentes
e podem perdurar por período de tempo indeterminado.
Essa decisão do STF interfere diretamente nas
decisões de negócios das instituições financeiras. É sabido que o setor
financeiro tem progressivamente incorporado as questões ambientais, sociais e
de governança (ESG na sigla em inglês) em suas mais relevantes áreas de
negócios. Isso tem ocorrido por meio de iniciativas setoriais, como por exemplo
os Princípios do Equador e os Princípios para o Investimento Responsável, ou
por obrigação da autoridade monetária.
De acordo com a Resolução 4.327 de 2014, o
Banco Central passou a obrigar que as instituições financeiras implantem uma
Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA), segundo a qual elas devem promover
a gestão do risco socioambiental como um componente das diversas categorias de
risco a que estão expostas, inclusive o de reputação. Segundo essa Resolução as
instituições financeiras devem estabelecer diretrizes que possibilitem
identificar, classificar, avaliar, monitorar, mitigar e controlar o risco
socioambiental presente em suas atividades e operações.
Sendo assim, a partir da decisão do STF que
torna imprescritível a reparação do dano ambiental, as diretrizes de análise e
decisão de crédito e de investimentos e a due diligence de operações de
fusões e aquisições e de negócios imobiliários (passivos de áreas contaminadas) merecem ser robustecidas, a fim de prevenir que as
instituições financeiras possam, segundo deixa claro a legislação brasileira,
serem corresponsabilizadas por dano ambiental causado por cliente financiado
por meio das modalidades de operações financeiras nas quais as instituições conhecem
o destino final dos recursos empenhados e, por força contratual, exercem
influência na gestão socioambiental desse mesmo cliente.
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